Nova técnica cirúrgica vai melhorar a qualidade do tratamento do câncer ginecológico no Brasil

Mais de 80% dos cânceres ginecológicos podem ser tratados com técnicas minimamente invasivas, ou seja, sem a necessidade de laparotomia ou grandes incisões. Entretanto, essas técnicas ainda não são muito empregadas na maioria dos serviços, pois são relativamente recentes (a 1ª histerectomia totalmente laparoscópica da história foi realizada por Harry Reich, em 1988, Pensilvânia, EUA). De acordo com a médica do Departamento de Cirurgia Oncológica do Instituto de Oncologia do Paraná (IOP), Dra. Audrey Tieko Tsunoda, as técnicas requerem organização de equipe, inclusive anestesista e profissionais multidisciplinares. Com o passar do tempo, vêm sendo empregadas para cirurgias que, na área oncológica, só poderiam ser realizadas com uma incisão de fora a fora (xifopubiana) no abdome, com todas as complicações que uma grande incisão ocasiona.

Confira a entrevista com a Dra. Audrey T. Tsunoda – que também atua no IRCAD Latin America, no ensino de Cirurgia Videolaparoscópica e Robótica – e saiba mais sobre a técnica cirúrgica utilizada e seus benefícios.

IOP – Quais os principais benefícios das técnicas minimamente invasivas?

ATT – A cirurgia minimamente invasiva apresenta comprovados benefícios relativos à menor sangramento, menores complicações, menor tempo de internação, menor tempo para iniciar tratamento adicional (quimio ou radioterapia), menor tempo para retorno às atividades cotidianas e menores custos quando consideradas as complicações após as cirurgias convencionais (desde pneumonia, infecção, reoperação, até hérnias de parede abdominal). A única desvantagem é que o tempo cirúrgico pode ser maior para as equipes que ainda não passaram a curva de aprendizado da técnica. Existem limitações, principalmente em casos de tumores de grande volume (com impossibilidade de remover sem grande incisão) ou pacientes com doenças associadas debilitantes (que dificultam qualquer tipo de cirurgia).

IOP – Como é a preparação do médico para estar apto a realizar esse tipo de cirurgia?

ATT – Para aprender laparoscopia ou cirurgia robótica, os cirurgiões precisam de muito treinamento, que pode ser conseguido em simuladores e em modelos animais e/ou também nos programas de pós-graduação, como nas residências médicas. No meu caso, fiz os três e também visitei diversos centros diferentes, como Memorial Sloan Kettering Cancer Center (NYC-USA), Charité University (Berlim), IRCAD France (Estrasburgo), Centre Oscar Lambret (Lille, FR) e Mayo Clinic Arizona (USA). Também fiz pesquisa na área durante os últimos seis anos. A pesquisa (os artigos científicos e o networking) e a cirurgia minimamente invasiva fizeram com que o Serviço de Oncoginecologia de Barretos, em São Paulo, que foi desenvolvido pelo Dr. José Humberto Fregnani (hoje diretor do Ensino e Pesquisa do HCB) e por mim a partir de janeiro de 2008, fosse rapidamente reconhecido como uma referência nacional, e, inclusive, para outros países, como Portugal, Venezuela, Colômbia e Peru, de onde recebemos diversos visitantes.

IOP – Como estão os trabalhos para disseminar a técnica pelo país?

ATT – Nos últimos seis anos, venho me dedicando a ensinar as técnicas por intermédio do IRCAD Latin America, que está localizado em Barretos. O Dr. Reitan Ribeiro, também do Departamento de Cirurgia Oncológica do IOP, contribui muito em todos os nossos cursos do IRCAD LA, com foco em ensinar e difundir a cirurgia minimamente invasiva. Atualmente, ele coordena a Maratona de Cirurgia Ginecológica Oncológica – MAGION, que é um evento anual do Hospital Erasto Gaertner, voltado para cirurgiões e ginecologistas, onde são realizadas mais de 40 horas de cirurgias demonstrativas. Estamos trabalhando em conjunto com as sociedades médicas – Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), Sociedade Americana de Ginecologia Oncológica (SGO), Sociedade Internacional de Câncer Ginecológico (IGCS) – para fortalecer a especialidade, divulgar as informações, aprimorar o ensino e melhorar a qualidade do tratamento do câncer ginecológico no Brasil.

IOP – A participação em eventos mostra que a técnica minimamente invasiva já é uma realidade?

ATT – Participar de eventos nacionais e internacionais para dar palestras e realizar cirurgias demonstrativas são formas de divulgar e ensinar as indicações e os detalhes das técnicas que empregamos. É também uma tentativa de inspirar os colegas mais jovens para o mundo da oncologia e da cirurgia no câncer. Os temas abordados, como laparoscopia, por exemplo, servem para demonstrar que é possível, que existem muitos estudos já realizados no mundo todo, e inclusive com nossa participação do Brasil, e que todos devem se capacitar para trazer este benefício para suas pacientes. É muito importante divulgar estas ideias por intermédio do IOP para nossos pacientes, para a comunidade científica e para o público em geral. Isso é parte importante da minha missão, pois se a paciente souber que é melhor fazer a cirurgia por laparoscopia, os profissionais terão que se qualificar, com melhora na qualidade do tratamento proposto.

IOP – Como funcionam os protocolos para a cirurgia por laparoscopia e qual sua contribuição nesta área?

ATT – As técnicas de cirurgia por laparoscopia estão sendo aprimoradas constantemente. Estou escrevendo um capítulo de livro sobre a remoção das ínguas (linfonodos) do abdome para certas doenças ginecológicas, em conjunto com o Dr. Eric Leblanc (França), Dr. Reitan Ribeiro e alguns outros colegas. Ainda na atualidade, uma minoria dos cirurgiões realiza esta cirurgia por laparoscopia ou robótica, pois é considerada de risco para quem ainda não está habituado com a técnica. Ainda assim, para modificar o tratamento ou mesmo aumentar a chance de cura, é importante que esta etapa da cirurgia seja cumprida de forma eficiente e com baixas complicações. Neste capítulo, colocamos tudo o que existe de tradicional e quais serão as ideias e inovações que esperamos para o futuro. Os editores deste livro são Dra. Suzana Pessini, Dr. Gustavo Py e Dr. Geraldo Gomes da Silveira, do Rio Grande do Sul, e o título é “Minimally Invasive Gynecology: na Evidence-based Approach”.

Em paralelo, estamos desenvolvendo protocolos de pesquisa sobre diversos aspectos da prevenção e do tratamento do câncer ginecológico. Numa parceria com o MD Anderson Cancer Center, do Texas (EUA), teremos um estudo com o objetivo de oferecer uma cirurgia menos agressiva para alguns tumores ginecológicos. Em outro, avaliaremos o perfil nacional da cirurgia do câncer, por iniciativa da Associação Médica Brasileira e da Sociedade de Cirurgia Oncológica. No estudo de análise de qualidade de vida, descobriremos quais são os principais problemas que afetam a mulher que realizou tratamento oncológico. Já na área de ensino, em conjunto com a Universidade Positivo, teremos treinamentos em simuladores para capacitar jovens cirurgiões e motivar estudantes de medicina. Tenho certeza que, através do desenvolvimento de protocolos de pesquisa, podemos realizar descobertas, oferecer melhor ensino e tratamentos diferenciados para as pessoas que nos cercam. E estes resultados podem beneficiar profissionais de saúde e pacientes do mundo todo.

Fonte: IOP